terça-feira, 17 de março de 2015

O Difícil Caminho Em Busca De Uma Melhor Tradução das Escrituras

"Este breve histórico serve como introdução para uma tarefa apologética em favor de uma versão recente das Escrituras em nossa língua" (a NVI).
A Bíblia é um livro singular. Dentre todos os livros jamais produzidos na história da literatura humana nenhum outro foi tão traduzido, publicado, comprado e lido. Acima de todas essas peculiaridades, uma me chama a atenção. Em ambas as partes que a compõem, o Antigo Testamento e o Novo Testamento, a Bíblia começou a ser traduzida antes de estar formalmente reconhecida como um único livro.

Quando Esdras e seus companheiros levitas se dispuseram a educar o povo de Judá quanto aos aspectos essenciais da lei mosaica (Neemias 8), foi necessário traduzir os textos sagrados do hebraico para o aramaico, já que a população que retornara a Jerusalém cerca de 90 anos antes já não entendia plenamente a língua em que os livros tinham sido escritos (uma diferença próxima daquela que existe entre o português e o espanhol).

Assim é que o Cânon do Antigo Testamento ainda não estava fechado (os últimos livros ainda estavam por escrever), e já havia esforços para tornar as Escrituras mais compreensíveis ao seu público alvo.

Pouco tempo (cerca de 150 anos) depois de fechado o cânon, a formação de uma grande e cosmopolita colônia judaica em Alexandria levou os governantes do Egito a solicitarem para a grande biblioteca que ali se formava uma tradução das Escrituras hebraicas. Embora a tradição preservada na Carta de Aristeas aponte para uma tradução milagrosamente realizada em 72 dias por setenta e dois anciãos israelitas, a versão grega do Antigo Testamento foi produzida gradativamente, visando atender, ao mesmo tempo, a sede acadêmica de um monarca helenista e a demanda de uma comunidade para quem até mesmo o aramaico se tornara, na prática, incompreensível.

Ao tempo do Novo Testamento, o mesmo fenômeno aconteceu. Já escritos todos os livros, mas ainda não formalmente reconhecidos como uma biblioteca autorizada por Deus para uso da Igreja, porções significativas já estavam sendo traduzidas para diversas línguas do mundo mediterrâneo. Antes que a primeira lista canônica completa fosse divulgada, o Novo Testamento já tinha livros traduzidos para o latim, o siríaco e o copta. Nos dois séculos seguintes, dezenas de outras línguas e culturas foram enriquecidas com versões parciais ou totais do Novo Testamento. No século V uma nova versão latina, a Vulgata, surgiu para substituir a Ítala, que já tinha três séculos de existência no mundo romano.

A Vulgata dominou o cristianismo ocidental por quase onze séculos. Tristemente, durante esse tempo, passou de um instrumento de libertação a uma ferramenta de escravidão espiritual e intelectual que o romanismo impôs à Europa e exportou aos demais continentes com o advento das grandes navegações e das conquistas.

Nos cento e cinqüenta anos que precederam a Reforma protestante os focos de anseio espiritual surgiram aqui e ali no continente europeu. Notáveis foram John Wycliffe, que lutou para dar ao povo inglês as Escrituras em sua língua pátria e morreu banido de suas lides acadêmicas e teológicas em Oxford. Seus seguidores, conhecidos como lolardos, continuaram sua tarefa de divulgar e ensinar a Bíblia no idioma popular.

A Reforma e o decorrente despertar do nacionalismo no século XVI trouxeram uma sede pela Palavra de Deus no vernáculo, e os reformadores não decepcionaram os que os seguiam. Versões vernaculares foram surgindo em inglês (William Tyndale), alemão (Martin Luther), francês (Pierre Olivetan), holandês (Nicolaas van Winghe, católico), italiano (Giovani Diodati), espanhol (Cassiodoro de Reyna) ao longo do século XVI e nos primeiros anos do século XVII. Quando este terminava, surgiu a primeira Bíblia completa em português, fruto dos labores do honrado João Ferreira de Almeida.

A tarefa continuou sem trégua. Milhares de idiomas ainda precisavam ser agraciados com a dádiva das Escrituras. Tradutores anônimos labutavam em vários continentes quando William Carey, o pai das missões modernas, iniciou sua gigantesca tarefa de levar a Palavra de Deus às etnias do subcontinente indiano. Ao morrer, havia traduzido as Escrituras em sua totalidade ou em partes para dezenas de idiomas e dialetos. Sua visão frutificou em um vasto número de Sociedades Bíblicas espalhadas por três continentes que tomaram sobre si a tarefa de traduzir e distribuir as Escrituras por todo o planeta. A tarefa continua, não apenas porque ainda há línguas que nada possuem da Palavra de Deus, mas porque aquelas que já a possuíam passam por constantes modificações, léxicas, sintáticas e semânticas, exigindo que hoje seja satisfeito o mesmo anseio presente na Praça das Águas em Jerusalém, 430 anos antes de Cristo -- ouvir e compreender claramente a santa Palavra de Deus.

Este breve histórico serve como introdução para uma tarefa apologética em favor de uma versão recente das Escrituras em nossa língua. A década de 90 viu surgir, desenvolver-se e fruir um projeto de dar ao povo de fala portuguesa uma versão da Bíblia que combinasse fidelidade aos originais, atualidade de vocabulário e gramática sem vulgaridade ou ideologismos, e facilidade de leitura. A história desse projeto foi brevemente narrada pelo Rev. Odayr Olivetti, um dos participantes do projeto, no artigo "Nova Versão Internacional da Bíblia em Português: Escorço Informativo," VOX SCRIPTURAE 3:2 (Setembro de 1993):215-226. Ao final, ele indica a expectativa de todos os participantes do projeto "de que a Nova Versão Internacional será um instrumento do Espírito de Deus para comunicar bênçãos a muitos."

Hoje, quase sete anos depois de lançado o Novo Testamento da NVI, o Antigo Testamento está sendo preparado (em fase de composição) para lançamento em breve. Igrejas, escolas e indivíduos vêm usando com proveito essa nova versão. Num mercado longe de ser saturado, a NVI se estabeleceu como uma opção significativa para quem deseja ouvir a voz de Deus na sua leitura pessoal das Escrituras.

Apesar desse sucesso, a NVI não ficou sem os seus críticos. Recentemente, dois ataques bastante sérios foram divulgados, visando o Novo Testamento publicado pela Sociedade Bíblica Internacional. Um deles foi publicado no Jornal de Apoio 63, pp. 6-7, num artigo de autoria do Prof. Donald L. Leaf. O segundo surgiu na Internet, e traz como divulgador o Pr. Emídio Viana. Em ambos os casos, fui alertado para a existência desses ataques por amigos evangélicos que utilizam a NVI-NT e ficaram preocupados com o tom e a natureza das acusações. Em benefício desses irmãos preparei respostas aos dois documentos; pelo caráter mais amplo do segundo ataque, restrinjo a ele as respostas aqui oferecidas. A natureza global do segundo documento, amplamente circulado pela Internet, demandava algo mais que uma resposta particular. A pedidos da Sociedade Bíblica Internacional compartilho com o povo evangélico brasileiro estas observações com o propósito de tornar esse debate mais amplo, mais sereno, e mais proveitoso para a Igreja de fala portuguesa, para que possa ler com expectativa e confiança a Palavra de Deus.

Expondo Os Erros Da NVI – Uma Resposta

Os dois artigos que mencionei acima são bastante agressivos e denunciam a NVI como um instrumento de Satanás para perverter a Igreja e destruir a Bíblia.
Há um lado negativo e um lado positivo em tais documentos. Do lado negativo, seus autores acusam abertamente os tradutores da NVI de negarem a inerrância das Escrituras, de buscarem dividir, polarizar e causar contenda entre o povo de Deus, de vilipendiarem a Palavra de Deus e mutilarem o texto sagrado.

São acusações graves que merecem ser respondidas com um pouco mais de critério e conhecimento de causa do que foi demonstrado por esses autores. Do lado positivo, algumas das críticas lançadas nesses documentos têm base textual e precisam ser honestamente consideradas pelo Comitê de Revisão da NVI, que já está procedendo a algumas mudanças no texto do Novo Testamento, resultado de questionamentos e críticas francas enviados à Sociedade Bíblica Internacional.

Aqui me proponho a responder os dois tipos de críticas lançadas pelo Pastor Emídio Viana e pelo Prof. Donald Leaf, com o propósito de refutar afirmações desinformadas por ele feitas, avaliar algumas alegações sobre a teoria textual da NVI, e considerar, tanto em linhas gerais quanto em pontos específicos, suas críticas à NVI.
Correndo o riso de uma simplificação excessiva, o que se segue é um debate sobre versões em português e o texto grego em que elas se baseiam. Se este artigo servir para motivar o leitor ao estudo sério das Escrituras e um compromisso com o seu Autor, o mais importante terá sido alcançado.

A NVI Como Um Ataque às Escrituras

O primeiro parágrafo do texto EXPONDO OS ERROS DA NVI (doravante E.E.) abertamente acusa a NVI de ser um dos instrumentos de Satanás para "enfraquecer doutrinas cardeais" da Bíblia. Infere-se de tal afirmação, portanto, que teria sido produzida por pessoas comprometidas com tal agenda.

Essa afirmação velada é fruto do desconhecimento pelo autor de E.E. do fato de que cada um dos membros do Comitê de Tradução (doravante CT) ter sido selecionado por afirmar a doutrina da inerrância das Escrituras. O profundo respeito pela Palavra de Deus sempre marcou o trabalho do CT, no qual imperavam uma ética profundamente cristã e total repúdio a propostas de produzir uma Bíblia que contivesse os apócrifos (por mais comercialmente atraente que isso fosse), ou seguir o exemplo na New International Version britânica, que adotou uma linguagem genericamente neutra (desmasculinizando a Bíblia, atendendo aos ditames do feminismo protestante).

Em segundo lugar, o autor de E.E. dá a entender que a NVI utilizou acriticamente o chamado Texto Crítico (doravante TC) com o propósito de "enfraquecer diversas doutrinas como: divindade de Cristo, expiação por Cristo, morte vicária, etc.". Tal alegação é decididamente falsa e novamente feita sem a devida consulta às pessoas envolvidas. O CT se compunha de pessoas que unanimemente afirmavam a inspiração, a inerrância e a infalibilidade dos escritos originais, mas que sim, diferiam em suas predileções quanto ao texto a ser utilizado como base da tradução, que utilizou as línguas originais como fonte e o texto da NIV americana como parâmetro (não como base ou fonte).

Como todo comitê, o CT operava em termos de votação e quando questões textuais se nos apresentavam, eram resolvidas por um sistema de voto. Os membros do CT cuja preferência era pelo Texto Majoritário (TMaj) aceitaram o sistema sabendo das implicações de serem minoria. Fizeram-no, todavia, na certeza de que são parte de uma busca sincera por uma versão mais fiel aos originais e mais acessível ao nível de leitura de nossa população do que as atualmente em uso.

Em honestidade para com o CT e a NVI, o autor de E.E. deveria reconhecer que foram eliminados os tristemente famosos colchetes em passagens-símbolo do TC, como Marcos 16.9-20 e João 7.53-8.11. Tal porém, não aconteceu; antes a ironia e a culpa por associação continuaram. Deveria reconhecer ainda que foram evitados comentários do tipo "os melhores manuscritos" e "os manuscritos mais antigos," que são típicos dos defensores do TC e de obras contemporâneas sobre crítica textual, e cuja exclusão das notas de rodapé da NVI foi votada num grupo onde os partidários do Tmaj eram minoria. Isso testemunha que não houve uma adoção automática do TC.

Além do mais, o autor do E.E. usa o expediente desleal de impingir à NVI brasileira o prefácio da NIV americana, que definitivamente adotou o TC (seria mais correto falar de "um TC") e uma abordagem eclética. Conquanto o CT da NVI tenha usado uma abordagem eclética nas passagens onde foi chamado a fazer decisões de crítica textual, esse ecletismo concedeu ao TMaj muito mais prestígio que qualquer das outras modernas traduções (não meras adaptações de antigas versões) brasileiras. De passagem, o mesmo se pode dizer para o Antigo Testamento, onde o Texto Massorético foi levado extremamente a sério como base para a NVI.

Exacerbando seu ataque, E.E. diz que a presença de notas de rodapé (que a NVI utiliza com muita economia em relação à NIV) é "um ataque frontal à doutrina da preservação." Talvez o autor de E.E. considere que somente acreditam na doutrina da preservação aqueles que neguem a existência de variações textuais, ou que acreditem que "Deus preservou sua Palavra através do Textus Receptus," frase com que encerra seu libelo. De igual modo, sugere que a adoção da filosofia de equivalência dinâmica para uma tradução signifique negar a preservação das Escrituras. Trata-se claramente de misturar bananas e laranjas. Qualquer pessoa que já tenha de alguma forma lidado com exegese e tradução das Escrituras (ou qualquer outro tipo de literatura) sabe que é impossível existir plena equivalência verbal (correspondência unívoca) ao passar um texto de uma língua para outra. Mas, aparentemente, é isso que sugere o texto de E.E.

Mais ainda, nesse detalhe da equivalência dinâmica. Usando da edição do NT NVI de 1994, o pastor Emídio utiliza parte dos "elogios" em sua crítica. Vale a pena expor o erro que essa crítica representa. A citação feita em E.E. veio da pena do Pastor Antônio Gilberto, que por um lapso de memória fez tal afirmação; não lembrou ele que o CT da NVI estava expressamente proibido de utilizar equivalência dinâmica, e expressamente instruído a usar equivalência formal. Infelizmente, por falta de conhecimento desse detalhe pelo então editor, a capa da primeira edição trazia essa inexatidão, e só foi apresentada ao CT quando os livros (50.000) já estavam prontos e começavam a ser vendidos. Assim, a recomendação do Pr. Gilberto acabou ferindo os próprios princípios sob os quais o CT sempre trabalhara.

A Teoria Textual do Autor de E.E.

Fica evidente, pelo uso que faz da nomenclatura, que o autor de E.E tem certa familiaridade com as diversas teorias de crítica textual. Sua opção pelo TR é perfeitamente aceitável, mas obviamente beira as raias do fanatismo religioso quando ele afirma que "o TR foi organizado por Erasmo em 1516, representando a maioria esmagadora dos manuscritos." Embora o TR seja muito semelhante ao texto encontrado na maioria dos manuscritos (não idêntico), o que Erasmo utilizou não foi um texto majoritário, pois dependia basicamente de meia dúzia de manuscritos datados todos de depois do século XII. O manuscrito que Erasmo usou para o livro de Apocalipse, tomado de empréstimo ao erudito humanista Johann Reuchlin, não continha Apocalipse 22:16-21, que Erasmo retroverteu do latim para o grego!

Talvez o autor de E.E. acredite que a inspiração das Escrituras se estenda também à tradução que Erasmo fez dessa porção de Apocalipse. Afinal, ele afirma que "Deus preservou sua Palavra através do Textus Receptus."

Infelizmente para o autor de E.E. o próprio Erasmo revela uma predileção por manuscritos mais antigos, pois afirmou ter usado vetustissimis simul et emendatissimis ("os manuscritos mais antigos e mais corretos"). Conquanto isso não seja uma garantia de que "quanto mais velho melhor," revela que mesmo o editor do TR tinha a preocupação de buscar os textos mais fidedignos. O fato de ter introduzido variantes em sua primeira edição sugere que deve tê-los encontrado. Isso levanta a pergunta: "Qual das edições de Erasmo deveria ter sido tomada como base para o TR?"

A edição do TR lançada pela Sociedade Bíblica Trinitariana (s.d., creio que em 1985) admite que usou como base o texto de Robert Estienne (1550) conforme editado por Teodore Beza em 1598. Essa obra, no entanto, só veio a ser conhecida como Textus Receptus cerca de 35 anos depois, quando foi editada em Leiden, na Holanda pelos irmãos Elzevir (segunda edição, 1633), na qual os próprios editores admitem ter feito correções, e a respeito do qual disseram: Textum ergo habes nunc ab omnibus receptum, in quo nihil immutatum aut corruptum damus ("Tens, portanto, o texto agora recebido por todos, no qual nada oferecemos de alterado ou corrupto.") Assim, curiosamente, o chamado Texto Recebido utilizado pelos tradutores da Versão Autorizada inglesa (1611) não foi exatamente o Textus Receptus, designação que só foi dada a uma edição que veio 13 anos depois da publicação da VA (ou KJV). Embora as diferenças entre as edições de 1550 (Estienne) e a de 1624 (Elzevir) sejam pouco numerosas, elas existem e a pergunta permanece: "Qual TR é o verdadeiro TR?"
Seria o texto da quinta edição de Erasmo? Esse texto foi editado por ele com diversas leituras da Poliglota Complutensiana (obra católico-romana), inclusive a famosa Comma Johanneum (1 João 5.7-8), e depois editado por Beza, que confessa, ele próprio, ter dúvidas quanto à autenticidade de João 8:1-12. Temos assim, uma situação confusa quanto ao que seria o texto que supostamente preservou os originais do NT. Será que Beza fazia parte desse sinistro complô para minar a confiança do povo de Deus nas Escrituras?

Será que o autor de E.E. se sente à vontade em companhia de tais parceiros? Ou será que a primeira edição de Erasmo é a que vale? Mas infelizmente ela não continha 1 João 5:7-8 e tinha um pedaço retrovertido do latim (Ap 22:16-21). Que fazer?

O autor de E.E. sugere que pastores, líderes e membros das igrejas devem se aprofundar mais no assunto de crítica textual. Como é que vai explicar essa grande confusão na origem do texto que supostamente contém o original do NT? E o que dizer do fato que o seu compilador (e vários de seus colaboradores) jamais ter evidenciado fé salvadora em Jesus Cristo, único mediador entre Deus e os homens? De ter repudiado a Reforma protestante? Teria Deus usado tal instrumento para a preservação de Sua Palavra?

Não seria mais lógico trabalhar com uma outra hipótese, menos radical? Ou seja, que o valor do TR está em preservar uma tradição antiquíssima e bem documentada que se acha expressa na maioria dos manuscritos (à qual Erasmo e seus sucessores imediatos jamais tiveram acesso) e que essa tradição precisa ser confrontada com outros tipos-textuais para que se prove a sua superioridade? Essa parece ser a abordagem do livro de Wilbur N. Pickering (The Identity of the New Testament Text) que ele menciona no final de seu documento, e cuja eventual tradução para o português será uma felicíssima adição à literatura existente sobre crítica textual.

Depois de levantados esses problemas na abordagem

textual do autor de E.E., podemos analisar mais detalhadamente algumas de suas observações quanto às escolhas textuais de NVI. Vale a pena dizer, a princípio, que várias delas são pertinentes aos olhos de quem opta por um Texto Majoritário (ainda que não optando pelo TR). Na verdade, despertaram neste revisor o desejo de que se produzisse um Novo Testamento NVI com base no Tmaj. Tal sugestão já foi encaminhada à SBI na pessoa de seu secretário executivo. É de se esperar que o autor de E.E. e seu consultor técnico tenham interesse em tal proposta pois não estão "defendendo as traduções, mas sim os textos que foram usados para essas versões."

Problemas Textuais Específicos

O tratamento destas questões é complicado pela infeliz pressuposição do autor de E.E. de que as escolhas textuais da NVI tenham sido motivadas pelo desejo de destruir doutrinas fundamentais do cristianismo bíblico. É impossível argumentar contra pressuposições dessa natureza. Podemos apenas reafirmar nossa fidelidade a todas as doutrinas que o autor de E.E. nos acusa de atacar. É necessário, no entanto, tomar algumas passagens por ele citadas como representativas do procedimento em ambos os lados do debate.

Marcos 9:24. Embora apenas mencionada pelo autor de E.E. como um ataque à divindade de Jesus, esta passagem é um exemplo típico de seu raciocínio. Aqui a NVI omitiu a palavra grega (senhor), o que o autor de E.E. classificou como negação da divindade de Cristo.

Textualmente é um caso de diferença entre o TMaj e o TC.

A NVI seguiu o TC, omitindo a palavra. Legitimamente, o máximo de que o autor de E.E. poderia acusar o CT é de uma escolha textual ruim. Além de pressupor nossa predisposição ariana, comete o erro exegético de impor ao pai do endemoninhado (pois foi ele que usou a expressão ) uma concepção de Cristo que apenas os discípulos tinham, e até então de modo incipiente, percebido. Sem impormos nossa própria leitura do NT à passagem, Marcos 9:24 apresenta um homem que trata Jesus como "mestre," no sentido de um rabi, e "senhor" em virtude da autoridade que sua posição como rabi lhe conferia. Omitir a palavra "senhor" (lembremo-nos de que no original não havia diferença entre "Senhor" e "senhor"), portanto, não é um ataque à doutrina da divindade de Cristo.

Atos 8:37. Esta passagem é alistada como um ataque à divindade de Cristo e à doutrina da salvação, com base na frase "creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus," supostamente proferida pelo etíope. Nesta passagem, o autor de E.E. opta pela leitura do TR contra a leitura to TMaj e do TC. A evidência em favor da frase (com cujo conteúdo claramente concordamos) é realmente muito frágil (o manuscrito E, 8 minúsculos, alguns manuscritos da Ítala e da Vulgata e versões; entre os chamados pais da Igreja, Irineu e Agostinho). Mesmo que se possa atribuir alguma antigüidade à leitura, ela fica claramente rejeitada (pelos cânones propostos por Burgon e defendidos por Pickering). Talvez por isso, Hodges e Farstad, editores do The Greek New Testament According to the Majority Text e defensores do TR (em oposição ao TC), optaram por omitir essa passagem e colocá-la apenas no aparato crítico. Talvez o autor de E.E. queira classificá-los também como hereges e destruidores da doutrina da divindade.

1 Timóteo 3:16. Esta passagem também é alistada entre os ataques à divindade de Jesus Cristo. Não tendo do que acusar o texto da NVI, que optou por seguir o TMaj (indo contra a NIV, atenuando a tradicional NR de outras versões modernas, e não usando a infeliz frase "os melhores manuscritos"), o autor de E.E. acusa a NVI de por em dúvida a própria escolha. Até quando confrontado com uma situação de escolha textual comum, enfatiza a NR. Quando o reverso acontece, todavia não reconhece que a NVI informa o leitor de alternativas textuais conservadoras.

1 João 4:3. Nesta passagem o autor de E.E. acusa a NVI de "aqui2 agrada[r] as falsas religiões, pois anula[m] que Cristo veio em carne." A presença do número 2 é explicada no final do documento como algo que não ocorre em toda a NVI. A impressão que fica ao leitor é de uma deliberada omissão da encarnação de Jesus. O que o autor de E.E. não menciona é que no versículo anterior, 1 João 4:2, a mesma frase está presente, e que qualquer leitor poderia verificar a realidade da encarnação lendo a linha superior do texto. (Talvez além de mal-intencionados os tradutores da NVI tenham sido incompetentes por não perceberem que também precisariam extirpar, na frase imediatamente anterior a frase omitida no verso 3.) O autor de E.E. tem todo o direito de questionar a escolha textual de que talvez tenha ocorrido parablepse (um erro de visão do copista) quer homoioteleuton, quer homoioarchon, no processo de cópia do TMaj, ou até sugerir que houve uma omissão deliberada nos manuscritos egípcios desta passagem, que deram origem ao TC, mas extrapolou ao deduzir (presumir) que diferença entre o TR e a NVI tenha sido motivada por preferências heréticas.

Colossenses 1:14. Este texto está alistado como um ataque à expiação por Cristo e só pelo seu sangue. Em Colossenses 1.14, o TMaj está um pouco dividido, com maior parte inclinada para a omissão das palavras ("por meio do seu sangue"). Uma vez mais, Hodges e Farstad optam por seguir o TC (Será que secretamente são do time dos liberais?). A acusação feita pelo autor de E.E. uma vez mais só teria sentido se a NVI e o TMaj tivessem retirado "pelo seu sangue" de Efésios 1.7, a passagem paralela (de onde provavelmente veio a adição no TR e traduções dele dependentes).

Atos 9:5-6. Outro dos supostos ataques à divindade de Cristo, esta opção textual do autor de E.E. é rejeitada pelo TMaj e pelo TC. A origem mais provável desta frase no TR é a passagem paralela em At 26:14. A omissão da palavra (uma legítima diferença textual entre o TC e o TMaj) na primeira frase do verso 6 é claramente mitigada pela sua presença nos versos 5 e 10. Uma vez mais, a ênfase dada pelo autor de E.E. me parece injustificada.

1 Pedro 2:2. Novamente o autor de E.E. usa a tática da culpa por associação para relegar a NVI ao rol dos hereges.

A inclusão da expressão grega ("para a salvação" ou "na salvação") é atribuída à crença de que "a salvação vem por um processo gradual de crescimento." Temos aqui um caso em que a tradição textual bizantina (TMaj) apresenta divisão. A leitura da NVI é apoiada por alguns dos principais manuscritos dessa tradição. Exceto pela sua escolha prévia do TR como representativo do original inspirado, o autor de E.E. deveria pelo menos considerar a possibilidade de que Pedro estivesse usando o mesmo tipo de proposta teológica que Paulo usou em Filipenses 2:13, ou seja, que há um crescimento na experiência e no desfrute da salvação. Que se questione a correção da tradução (que me parece pode ser melhorada nos termos sugeridos acima) e até a escolha textual (que me parece um caso aberto), mas não se impinja tal acusação de heresia a um grupo comprometido com a salvação pela graça por meio da fé e nada mais.

2 Tessalonicenses 2:8. Esta passagem está alistada como umas das "gravíssimas contradições." A NVI é acusada de contradizer Apocalipse 19:20 ao traduzir aqui o verbo grego ou por "matará". Ora, esse verbo indica "consumir " ou "destruir" em Lucas 9:54 (idéia de consumir com fogo) e em Gálatas 5:15 (sentido figurativo). Assim sendo, especialmente em vista de Lc 9:54, a tradução da NVI é aceitável e não configura contradição. Como explicar a tradução "desfará" da Almeida Fiel? O problema postulado em Ap 19:20 é facilmente respondido pelo fato de o anticristo e o falso profeta serem lançados no lago de fogo já dotados do tipo de vida (=existência) que lhes permita sofrer, sem serem consumidos ou aniquilados (o que aconteceria se fossem lançados em corpos naturais num lago de fogo literal, que, presumo, seja a crença do autor de E.E.) a eterna pena de sua rebeldia contra Jesus Cristo.

1 João 5:7-8. Esta controvertida passagem foi alistada como um ataque da NVI contra a doutrina da Trindade. O autor de E.E. compara a NVI à bíblia dos Testemunhas de Jeová, utilizando mais uma vez o golpe baixo da culpa por associação. Será que gostaríamos de basear nossa crença da doutrina da Trindade numa passagem que não constava da primeira edição do TR (1516, que o autor de E.E. declara reconhecer como o seu TR, p. 1 do documento) porque Erasmo não a encontrara em nenhum manuscrito grego disponível? A adição da Comma Johanneum em edições posteriores se deveu a protestos iniciados pelos católicos romanos que produziram a Poliglota Complutensiana que, dominada pela Vulgata, incluíra o texto. Essa derivação recente se pode ver na terceira edição do texto de Erasmo, onde a ausência dos artigos definidos () denuncia um original latino (o latim não possui artigo definido). Como a Complutensiana incorporava os artigos, edições subseqüentes do texto de Erasmo vieram a incluí-los.

O autor de E.E. menciona um livro escrito em defesa da Comma, mas não aduz quaisquer argumentos em seu favor. Não tenho acesso ao referido livro, e portanto não posso emitir opiniões sobre a validade de seus argumentos.

Ele afirma ainda que "o rodapé da NVI tem duas grandes inverdades." Quais seriam elas? O aparato crítico do Greek New Testament da United Bible Society (26ª edição de Nestle) indica que a Comma aparece em vgmss, o que indica que a afirmação da NR da NVI é correta. O aparato indica ainda que os manuscritos gregos que contém a Comma são os seguintes: 221, 2318 (61, 88, 429, 629, 636 918 também são alistados como contendo pequenas variações), mas nenhum desses é alistado ou datado nas várias listas de informação sobre manuscritos disponíveis. I. Howard Marshall, em seu comentário sobre as epístolas de João, embora apresentando uma lista ligeiramente diferente, afirma: "Nenhum desses é anterior ao século XIV. A passagem não é citada por qualquer dos pais gregos, e sua primeira aparição em grego é num relatório conciliar de 1215. Nenhuma outra das antigas versões do Novo Testamento a contém, exceto a versão latina ... [embora não apareçam] nas formas mais antigas da Ítala e na edição da Vulgata feita pelo próprio Jerônimo ... a referência definida mais antiga é feita no Liber Apologeticus do escritor espanhol Prisciliano (ob. c. 385)."2 Até prova em contrário, a NR da NVI não falou inverdade quando disse que o texto da Comma "não é encontrado em nenhum manuscrito grego anterior ao século XII". O ônus da prova se encontra com o autor de E.E.

Vale lembrar, ainda uma vez, que o Greek New Testament According to the Majority Text também omite a Comma, alistando o TR como a única testemunha a seu favor.

Erros Textuais que Comprometeriam a Doutrina da Inerrância

Nessa categoria, da qual tratarei apenas dois exemplos dados em E.E., aparecem ao mesmo tempo uma ingenuidade exegética e um dogmatismo dignos de nota. Em Marcos 1:2, o texto adotado pela NVI exige muito maior firmeza quanto à inerrância do que o do TR. Conquanto minha preferência pessoal seja pelo TMaj (= TR), precisamos reconhecer que o mesmo expediente de alistar dois profetas sob uma única autoria acontece em Mateus 27:9, onde Jeremias e Zacarias aparecem sob a rubrica de Jeremias, e onde não existe problema textual. Será que Mateus está em contradição? Há maneira de defender a inerrância ainda que o texto original de Marcos dissesse "Isaías" em vez de "profetas"? Quem afirmar que não terá que engolir Mateus 27:9 como um "erro" das Escrituras. Assim, mais uma vez, pode até proceder a crítica à opção textual, mas a acusação doutrinária é infundada.

De igual modo, a questão do vinho e do vinagre em Mateus 27.34 reflete a expressão "procurar chifre em cabeça de cavalo." A diferença textual entre vinho e vinagre em grego é mínima () e poderia ser explicada tanto para um lado quanto para outro. O que dizer de Marcos 15:23, no TR, que usa "vinho"? Estará o TR em contradição com Salmo 69:21 [22 no Hebraico], onde surge a palavra "vinagre"? Quem sabe o fato do vinagre bíblico ser nada mais que vinho azedo (ver NVI em João 19:29) tenha motivado esse tipo de ambigüidade inerrante que o autor de E.E. apressadamente (ou por falta de maior destreza exegética) atribuiu à natureza herética da NVI?

Considerações Finais

Ao concluir esta resposta ao documento Expondo os Erros da NVI reitero minha tristeza pelo mesmo não ter sido apresentado diretamente à SBI como uma crítica aberta e direta à qualidade de nosso trabalho. Pelo fato do Novo Testamento estar em processo de revisão, ela teria sido útil. Infelizmente, agora é tarde para incluir entre as várias mudanças qualquer das propostas do autor de E.E.
Lamento ainda que ele tenha sido deliberadamente cego para com a tendência mais conservadora da NVI em relação à sua equivalente americana (NIV). Nosso tratamento de textos controversos como Marcos 16:9-20 e João 7:53-8:11 (retirando os colchetes e não utilizando terminologia tendenciosa) revela, no mínimo, nossa preferência pela inclusão de tais passagens no original.

A interação com o material serviu para demonstrar que o trabalho textual com a NVI pode e deve ser retomado. Há diversas observações textuais do autor de E.E. que são críticas válidas e necessárias e a SBI deverá lhes dar ouvidos, ainda que a aproximação tentada com o internauta que disseminou o texto não tenha produzido resultados animadores, senão a mesma atitude negativa que transpira nas seis páginas de que constou o documento aqui considerado.

Devo admitir que um dos resultados da interação com E.E. foi desejar uma edição da NVI com base no TM, que me parece uma opção textual mais sábia que o TR, a quem o autor de E.E. empresta valor de original preservado. Fica a sugestão apresentada à SBI como uma possível alternativa não apenas para indivíduos e grupos que desejem uma versão mais moderna com base em uma teoria textual mais conservadora, mas também para ampliar os recursos disponíveis para treinamento em crítica textual nas escolas brasileiras.”

Atibaia, 24 de setembro de 1999
Por Carlos Osvaldo Pinto
(Ph.D. em Exposição e Th.M. em Teologia do Antigo Testamento pelo Dallas Theological Seminary. É reitor do Seminário Bíblico Palavra da Vida-Atibaia/SP)


Fonte: http://www.escolacharlesspurgeon.com.br/nav/pregacoes/texto.cshtml?categoria=em-foco&id=8

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Uma exegese de 1 Timóteo 4:10



Por Alan Kurschner


Pois para isto é que trabalhamos e lutamos, porque temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, especialmente dos que creem.” (I Timóteo 4.10)

Em I Timóteo 4.10, Paulo está exortando Timóteo que a sã doutrina e a piedade persistente deveriam ser o impulso de nossa vida por causa da esperança do Deus vivo — nesta era e na por vir. Nós deveríamos estar confiantes em nossos credos e ética por causa da certeza da salvação. Paulo introduz o verso 10 com o indicador inferencialeis touto gar (pois para isto), seguido pela conjunção hoti (porque), que destaca seu ponto principal: “temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o salvador de todos os homens, especialmente dos que creem.” Seu ponto principal é corroborado pelo seu uso do tempo perfeito ēlpikamen (temos posto a nossa esperança), que define esta ação. É interessante que o único outro exemplo de um tempo perfeito nesta seção imediata é encontrada no verso 6:

Propondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, nutrido pelas palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido (parēkolouthēkas)” - I Tm 4.6

Este é um termo incomum no novo testamento, usado apenas quatro vezes (Mc 16.17; Lc 1.3; I Tm 4.6; II Tm 3.10). No contexto de seguir uma crença ou prática, este termo significa “prestar atenção especial, seguir fielmente.” Em outras palavras, para Paulo, seguir a sã doutrina não é sobre uma afirmação estática das declarações credais em papel — é uma ativa, consciente e envolvida adaptação. (Paulo não teria nada a ver com uma "declaração de fé" ambígua de igreja!)

De volta ao verso 10. Na próxima declaração, o que se entende por “que é o salvador de todos os homens, especialmente dos que creem”?

Muitos crentes modernos leem isto com a hipótese de que Cristo veio a terra com a intenção de morrer por cada indivíduo que já viveu; por isso, “que é o salvador de todos os homens”. Mas só aqueles que creem terão sua expiação aplicada aos seus pecados; por isso, “especialmente os que creem.” Portanto, muitos leitores modernos, especialmente arminianos, acreditam que este verso mina qualquer noção de redenção particular e eleição, que é afirmada na teologia reformada.

Porém, nós deveríamos examinar mais que uma leitura prima facie deste verso e fazer a nós mesmos algumas perguntas. Há uma conexão teológica entre “o Deus vivo” e seu qualificador “que é o salvador de todos os homens”? O que “todos os homens” significa aqui para Paulo? Significa todas as pessoas sem exceção ou distinção? E mais importante, como Deus pode ser o salvador daqueles que não creem? Ou há algum outro elemento que tem escapado à nossa atenção?

Uma leitura universalista deveria ser excluída desde que contraditaria o ensino inequívoco de Paulo em seu corpus de que muitos perecerão eternamente.

Depois, a interpretação arminiana lê demais nesta declaração, “salvador de todos os homens”, com duas suposições: (1) que o termo “salvador” deve significar “possível salvador” e (2) ele denota “cada pessoa individual.”

Mas se Cristo morreu por todos os pecados, então não há base para ele punir ou condenar qualquer pecador para a perdição; fazendo assim do arminiano um universalista inconsistente. Que base há para punir o mesmo pecado duas vezes: na cruz e no pecador. Não há nenhuma.

Além disso, o contexto aqui não afirma o que Paulo quer dizer por “todos os homens”. Ele poderia se referir a cada pessoa individual, ou ele poderia se referir a todos os tipos de homens. Mais cedo nesta mesma epístola, no contexto similar de salvação e todos os homens, Paulo deixa claro que ele está se referindo a “todos os tipos de homens”, não cada pessoa individual que já viveu no planeta terra.

Alguns intérpretes tem sugerido que Deus é o “salvador de todos os homens” em um sentido físico-preservador — se você quiser, um salvador de graça comum.” Então ele é um salvador espiritual, especialmente daqueles que creem.

Esta é uma interpretação improvável uma vez que não há nada neste contexto onde Paulo define “salvador” nestas duas formas diferentes. E mais, o v. 8b fornece um contexto soteriológico, “da vida presente e da que há de vir.” E no v. 10 a leitura natural é que Paulo usa o mesmo significado para “salvador” pela humanidade em geral, e crentes em particular.

A interpretação mais plausível deste verso é o que eu chamo de interpretação exclusivismo-monoteístico. O que Paulo está dizendo é que Deus (e por extensão Cristo como redentor) é o único salvador real no mundo, portanto a humanidade não pode encontrar outro salvador competindo fora do Deus vivo. Eles não têm outro salvador para o qual tornar.

Não é por equívoco que a frase “Deus vivo”, um termo que sugere monoteísmo está conectado com este verso. Esta frase é frequentemente encontrada no contexto de politeísmo (At 14.15; I Ts 1.9; Js 3.10; I Sm 17.26, 36; II Rs 19.4). Desde que há um único Deus que é vivo, há somente um salvador para a humanidade abraçar.

Também, nesta mesma epístola Paulo faz uma declaração exclusiva parecida que há um mediador da salvação para humanidade: “pois há um só Deus e mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus homem” (I Tm 2.5). Aqui Paulo conecta isto com a verdade do “único Deus” com apenas um mediador, antecipando o que ele diz dois capítulos depois.

Além disso, isto é similar a declaração exclusiva de Jesus:

E disse Jesus: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao pai senão por mim” (João 14.6)

E na mesma linha, Pedro proclama:

E em nenhum outro há salvação; porque debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, em que devamos ser salvos.” (Atos 4.12).

Para toda a humanidade só há um caminho, verdade, vida, pai, nome, mediador e salvador— especialmente dos que creem.

Finalmente, eu quero concluir com outra interpretação que é convincente. O termo para “especialmente” é malista. George W. Knight III argumenta que este termo aqui deveria ser traduzido “isto é”, funcionando assim como a explicação ou maior esclarecimento da frase anterior. A tradução seria como se segue: “que é o salvador de todos os homens, isto é, dos que creem.” Então esta interpretação não vê “aqueles que creem” como um subconjunto de “todos os homens”; em vez disso, “os que creem” identifica quem são “todos os homens”. Ele escreve:

“A frase [malista pistōn, "especialmente os que creem"] contém a mesma qualificação que Paulo e o NT sempre colocam para receber a salvação de Deus, isto é, “confiar” em Deus como o único salvador. Absoluto [pistōn] como usado aqui e em outro lugar no NT refere-se àqueles que creem em Cristo, isto é, os crentes... malista geralmente tem sido traduzido como “especialmente” e considerado como de alguma forma distinguindo aquilo que o segue daquilo que vem antes dele. Skeat [“especialmente os pergaminhos”] argumenta de forma persuasiva que [malista] em alguns casos (II Tm 4.13; Tt 1.10, 11; e aqui) deveriam ser entendidos como fornecendo uma melhor definição ou identificação daquilo que o precede e assim o traduz pelas palavras “isto é”. Ele cita vários exemplos das letras de papiro que pareceriam requerer este sentido e que em seus casos particulares excluiriam o sentido alternativo contrário. Se sua proposta estiver correta aqui, o que parece mais adequado, então a frase [malista pistōn] deveria ser traduzida como “isto é, os crentes”. Este entendimento também está em linha com a afirmação de Paulo de que todos os tipos e condições de homens estão em Cristo (mesmo às vezes usando [pantes]) e com sua insistência naqueles contextos que todos estão em Cristo e têm salvação pela fé (cf. Gl 3.26-28).” NIGTC,The Pastoral Epistles, 203–4.

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Fonte: Alpha e Ômega Ministries 
Tradução: Francisco Alison Silva Aquino

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O que fazer quando não há uma verdadeira Igreja onde você vive




por John Knox


Conselhos saudáveis ​​de uma carta de John Knox dirigida a seus irmãos na Escócia. 

Meus queridos irmãos, não tanto para instruir-lhes como deixar-lhes algo do testemunho de meu amor por vocês, eu considerei como algo bom a comunicar-lhes meus débeis conselhos de como eu quero que se conduzam no meio desta geração maligna e perversa, no que diz respeito ao exercício da santíssima Palavra de Deus, sem a qual não se pode aumentar o conhecimento, nem se pode desenvolver a piedade, nem pode continuar o fervor espiritual entre vocês. Porque, assim como a Palavra de Deus é o princípio da vida espiritual, sem a qual toda a carne está morta na presença de Deus, e como é lâmpada para os nossos pés, sem cuja luz toda a posteridade de Adão anda em trevas, e como é o fundamento da fé, sem a qual ninguém pode compreender a boa vontade de Deus, assim também é o único órgão e instrumento que Deus usa para fortalecer os fracos, para confortar os aflitos, para trazer debaixo de misericórdia pelo arrependimento aqueles que se desviaram, e, finalmente, para preservar e guardar a mesma vida na alma contra todos os ataques e tentações.

Portanto, se vocês querem que vosso conhecimento cresça, que a vossa fé seja confirmada, que vossas consciências sejam aquietadas e consoladas, e, finalmente, [que] a vida seja preservada em vossa alma, cuidem de exercitarem-se frequentemente na lei do Senhor, vosso Deus. Não tenhais em pouco estima os preceitos que Moisés deu aos israelitas com estas palavras: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te. Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas.”( Deuteronômio 6:6-9 – ACF). E Moisés, em outro lugar, ordenou-lhes para “lembrarem-se da lei do Senhor Deus, para cumpri-la, para que lhes vá fosse bem a eles e a seus filhos na terra a qual o Senhor vosso Deus lhes daria”. Dando a entender que, assim como frequentemente recordar e repetir os preceitos de Deus é o meio pelo qual o temor de Deus (que é o princípio da sabedoria e bem-aventurança), é mantido vivo na mente; assim também a negligência e o esquecimento dos benefícios recebidos de Deus é o primeiro passo para distanciar-se de Deus.

Agora, se a Lei, a qual, por causa de nossa fraqueza, não opera nada mais do que raiva e fúria, foi tão eficaz (que relembrada e repetida, para pratica-la) [que] trouxe ao povo uma bênção corporal, o que diremos que não trará o glorioso Evangelho de Cristo Jesus quando tratado com reverência? Paulo lhe chama de cheiro de vida para aqueles que receberam a vida, usando a semelhança de ervas aromáticas e unguentos preciosos, cuja natureza é que quanto mais estes são friccionadas exalam seu aroma mais agradável e prazeroso; assim também, amados irmãos, é o bendito Evangelho de Jesus, nosso Senhor. Porque quanto mais nos ocupamos dele, mais confortável e agradável é para aqueles que o escutam, leem-no, ou  se exercitam no mesmo. 

Não ignoro, que como os filhos de Israel se enfastiaram do maná, porque era o único que viam e comiam todos os dias, assim também agora há alguns que depois de ler algumas porções da Escritura, se voltam de todo aos escritores profanos ou escritos humanos. Porque a variedade de assuntos que estes contêm trazem com e para eles deleite diário. Por outro lado, dentro das Escrituras de Deus não há muito adorno humano em si, a repetição de uma coisa lhes é chata e cansativa. Confesso que essa tentação pode entrar até mesmo nos eleitos por um tempo, porém é impossível que continue até o fim. Porque os eleitos de Deus, além de outras características evidentes, possuem sempre esta unida com as demais, que os eleitos de Deus são chamados para fora da ignorância (falo dos que têm idade suficiente para compreender) para provar e sentir um pouco da misericórdia de Deus, da qual nunca estão satisfeitos nesta vida, mas que ocasionalmente têm fome e sede de comer o pão que desceu do céu e de beber a água que salta para a vida eterna. O que não podem fazer, senão pelo meio ou pelo instrumento da Fé, e a Fé sempre objetiva a vontade de Deus revelada pela Palavra, de maneira que a Fé tem tanto o seu início como sua continuação pela Palavra de Deus. E por isto eu digo, que é impossível que os filhos escolhidos por Deus possam depreciar ou rejeitar a Palavra de sua salvação por muito tempo, como tampouco podem enfastiar-se dela definitivamente.

É coisa comum que os eleitos de Deus são mantidos em tal escravidão e servidão, de modo que eles não podem conseguir que se lhes conceda o pão da vida, como tampouco têm a liberdade para exercitar-se na Palavra de Deus. Mas eles não se enfastiam, antes de bom grado anelam o alimento da sua alma, antes acusam sua negligência anterior, e lamentarem a aflição miserável de seus irmãos, e clamam e pedem em seus corações (e também em público, onde eles podem) para que corram livremente ao Evangelho. Esta fome e sede confirma que existe vida em suas almas. Mas se tais homens, que têm a liberdade de ler e exercitarem-se a si mesmo nas Escrituras, começam a fadigar-se porque quase sempre leem o mesmo, eu pergunto, por que não se cansam também de comer o pão de cada dia? Por que não se cansam de beber vinho todos os dias [não o tipo de bebidas alcoólicas de hoje]? Por que não se cansam de olhar diariamente a luz do sol? Por que não se cansam de usar as demais criaturas de Deus que mantêm diariamente sua própria substância, curso e natureza? Penso que responderam: “Porque tais criaturas têm um poder [quantas vezes são usadas para suprimir a fome e a sede e para infundir alento e forças e] para preservar a vida.” Oh, criaturas miseráveis! Quem se atreve a atribuir mais poder e força a criaturas corruptíveis para nutrir e preservar o corpo humano mortal, do que à Palavra eterna de Deus para nutrir a alma que é imortal! O querer arrazoar com sua ingratidão abominável não é o meu propósito agora. Porém a vós outros, amados Irmãos, quero compartilhar meu conhecimento e lhes abrir a minha consciência, que é tão necessário como é o uso de comida e da bebida para preservar a vida do corpo, e assim como necessário é o calor e a luz do sol para dar vida a erva e para dissipar as trevas, assim também é necessário para a vida eterna, e para a iluminação e  luz da alma, a meditação, exercício e uso perpétuo da Sagrada Palavra de Deus.

Portanto, queridos Irmãos, se anelais a vida vindoura, por necessidade devem exercitarem-se a si mesmos no Livro do Senhor, vosso Deus. Que não haja nenhum dia que não recebais algum consolo da boca de Deus. Abram seus ouvidos, e Ele falará coisas deleitosas ao vosso coração. Não fechem seus olhos, antes com diligência contempleis que porção substanciosa vos é deixada no Testamento de vosso Pai. Que suas línguas aprendam a louvar a Sua terna bondade, em cuja, somente por misericórdia, vos chamou das trevas para a luz, da morte para a vida. Tampouco façais isto tão privadamente que não admita testemunhas. Não, irmãos, o Senhor Deus vos ordena que vocês governem suas casas em verdadeiro temor, e de acordo com a Sua Palavra. Dentro de suas casas, digo, em alguns casos, sóis bispos e reis, sua esposa, filhos e família são o vosso bispado e encargo. Disto se vos pedirá conta de quanto cuidado e diligência usastes para instruí-los no verdadeiro conhecimento de Deus, de como procurastes implantar virtudes e reprimir vícios. Por tanto, digo, vocês devem faze-los participantes da leitura, da exortação e da oração comuns, a qual deveria acontecer em cada casa pelos menos uma vez por dia. Mas, acima de tudo, queridos irmãos, procurem praticar diariamente e viver como manda a Palavra de Deus, e então vocês comprovarão que nunca ouvireis ou lerei o mesmo sem que obtenhais algum fruto. Creio que isto é o suficiente para os exercícios dentro de vossa casa.

Considerando-se que Paulo chama a igreja de “o corpo de Cristo”, do qual cada um de nós é membro, e ensinando-nos com que nenhum membro pode sustentar-se e alimentar-se sem a ajuda e o apoio de outro, creio que é necessário que se tenham estudos e palestras sobre as Escrituras como reuniões entre irmãos. Como Paulo dá a ordem a ser observada para isto [1 Coríntios 14:26-29], somente quero salientar que, quando vos reunais, que seria bom fazê-lo uma vez por semana, que seu início fosse confessando seus pecados e implorando que o Espírito do Senhor os assista em todos os vossos projetos e objetivos espirituais. Depois que se leia alguma porção das Escrituras de forma clara e modesta, tanto quando se pense ser necessário para a ocasião ou tempo. Quando terminar, se algum irmão tem exortação, pergunta ou dúvida, que não tenha medo de falar ou trata-la ali mesmo, fazendo-o com moderação, seja para edificar [a outros] ou para edificar-se. E sem dúvida disto virá grande proveito. Porque, em primeiro lugar, o ouvir, ler e estudar as Escrituras nestas reuniões ajudarão a examinar o juízo e a atitude das pessoas, sua paciência e modéstia serão conhecidos e, finalmente, seus dons e expressões serão manifestos. Por outro lado, deve ser evitado em todas as ocasiões e em todos os lugares os falatórios vãos, as interpretações longas e aborrecidas e a teimosia sobre pontos controversos. Mas acima de tudo, quando se reunirem como igreja, ali nada deve ser considerado mais em conta do que a glória de Deus e o consolo e edificação dos irmãos.

Se algo brota do contexto em discussão ou debate que vosso juízo não pode resolver ou vossas faculdades não podem compreender, que seja observado e escrito antes do final da reunião, para que quando Deus proveja uma solução para o assunto, suas dúvidas que brotaram sejam resolvidas com mais facilidade. Por outro lado, se vocês tem a oportunidade de escrever ou se comunicar com outros, suas cartas manifestarão o vosso grande desejo por Deus e por Sua verdadeira religião. Não duvido que eles, segundo seus talentos se esforçarão e lhes concederão seu fiel trabalho para atender às suas solicitações devotas. Quanto a mim mesmo falo o que eu penso: empregaria quinze horas com muito bom gosto (segundo agrada a Deus iluminar-me) para lhes explicar alguma porção das Escrituras, do que meia hora em outra coisa.

Ademais, eu gostaria que, na leitura das Escrituras, tomem também alguns livros do Antigo Testamento e alguns do Novo, como Gênesis e um dos Evangelhos, Êxodo com outro livro, etc., porém sempre terminando [a leitura] dos livros que você começaram (segundo lhes permita o tempo). Pois lhes confortará o ouvir a harmonia e a concordância do Espírito Santo, falando através de nossos pais desde o princípio. Os confirmará nestes dias perigosos o contemplar a face de Jesus Cristo, o amado esposo, e sua igreja, desde de Abel até o próprio Cristo, e de Cristo até este dia, que há unidade e um mesmo propósito em todas as gerações. Estudem com frequência os profetas e as epístolas de Paulo. Pois a abundância de  assuntos mui consoladores que estão ali requerem exercício e uma boa memória. Semelhantemente, assim como as vossas reuniões devem começar com a confissão e súplica do Espírito de Deus, assim também deve acabar com ações de graças e orações pelos governantes e magistrados, pela liberdade do Evangelho de Cristo, que seja anunciado livremente, para o consolo e liberdade dos nossos irmãos que ainda estão sob tirania e servidão, por outras coisas que o Espírito do Senhor Jesus Cristo os ensine que vos é útil, seja para vós mesmos, ou para os seus irmãos, onde quer que estejam.

Se assim for (ou até melhor) ouço que vos exercitais a vós mesmos, queridos Irmãos, então louvarei a Deus por sua grande obediência, como também para aqueles que receberam a palavra de graça não somente com gozo, mas também com solicitude e diligência, e guardam a mesma como um tesouro e uma joia preciosa. E porque eu não tenho suspeitas de que fareis o contrário, não usarei de ameaças. Bem, a minha sincera esperança é que vocês andem em meio a esta geração perversa como filhos da luz, que sereis como estrelas à noite (que não são envolvidas pelas trevas), que sereis como o trigo entre o joio, e que sem embaraço não mudareis vossa natureza que recebestes pela graça, através da comunhão e participação que temos com o Senhor Jesus Cristo em Seu corpo e em Seu sangue. E, finalmente, que sereis do número das virgens prudentes, que diariamente granjeiam e enchem suas lâmpadas com azeite, enquanto aguardam pacientemente a aparição gloriosa e vinda do Senhor Jesus Cristo, cujo Espírito onipotente governe e instrua, ilumine e conforte suas mentes e corações em toda provação, agora e sempre. Amém.

A graça do Senhor Jesus Cristo seja convosco.

Lembrem-se de minhas fraquezas em suas orações. 


07 julho de 1556.

Vosso sincero irmão,


John Knox


***
Traduzido por: William Teixeira
Revisão: Camila Rebeca Almeida
 

Via: http://bereianos.blogspot.com.br

Respondendo ao Problema do Mal

R. C. Sproul27 de Março de 2014 - Ética
O Dr. John Gerstner, meu estimado mentor, certamente levava jeito para ganhar a minha atenção e me ajudar a pensar de forma mais clara. Eu ainda me lembro quando disse a ele que eu pensava que o problema do mal era irresolúvel. Tendo notado que os melhores apologetas e teólogos na história da igreja não responderam todas as questões levantadas pela existência do mal neste mundo, eu disse a ele que ninguém jamais resolveria o problema deste lado da eternidade. Ele se virou e me repreendeu: “Como você sabe que o problema do mal nunca será resolvido”, ele perguntou. “Talvez você ou outro pensador seja aquele que Deus apontou para resolver essa questão”.
Com o devido respeito ao Dr. Gerstner, eu acho que ele superestimava os seus alunos. Eu não mudei a minha opinião sobre o problema do mal desde aquela conversa. Nos muitos anos em que ensinei filosofia, apologética e teologia, e nas muitas conversas que tive com pessoas feridas, uma resposta completa para o problema do mal permanece evasiva. Quando muito, eventos recentes fazem o problema parecer mais crítico. Só no ano de 2012, lidamos com um ataque terrorista na Maratona de Boston e com o atirador da Sandy Hook Elementary School em Connecticut. O Furacão Sandy matou quase 300 pessoas no nordeste dos Estados Unidos. Poderíamos também mencionar as centenas de milhares de pessoas que morreram nos tsunamis em 2004 e 2011. A lista é quase infinita.
Colocar um rosto humano no mal pode torná-lo mais inteligível — não é surpresa que pessoas más façam coisas más. A violência da natureza pode ser ainda mais perturbadora. Como lidamos com desastres naturais que não respeitam pessoas, mas de forma indiscriminada tiram vidas de idosos, bebês e deficientes, além de crianças e adultos? “Como”, muitas pessoas — até cristãos — perguntam, “pode um Deus bom permitir que tais coisas aconteçam?”.
Não há falta de especulação na tentativa de responder a essas questões. Indivíduos bem intencionados sugeriram incontáveis teodicéias — tentativas de justificar e vindicar Deus devido à presença do mal no mundo. Em seu livro publicado no século XVIII, Theodicy, o filósofo Gottfried Leibniz tentou explicar o mal sugerindo que nós vivemos no “melhor de todos os mundos possíveis”. Outros pensadores disseram que o mal é necessário para nos tornar pessoas virtuosas ou para preservar a realidade do livre arbítrio. Tais respostas falham em satisfazer o problema do mal, e normalmente sacrificam a soberania de Deus no processo.
Não penso que Deus nos revelou uma resposta plena e definitiva para o problema do mal e do sofrimento. Contudo, isso não significa que ele tem estado em silêncio sobre a questão. A Escritura nos dá sim algumas diretrizes úteis:
Primeiro, o mal não é uma ilusão — ele é muito real. Algumas religiões ensinam que o mal é irreal, mas a Bíblia nunca minimiza a verdade da miséria e da dor. Além do mais, os personagens bíblicos nos mostram que uma indiferença estoica ao mal não é a resposta correta. Eles rasgam suas vestes, oferecem lamentações a Deus, choram lágrimas reais. Nosso Salvador caminhou a Via Dolorosacomo o Homem de Dores que conheceu nosso sofrimento.
Segundo, Deus não é caprichoso ou arbitrário. Ele não age irracionalmente, nem demonstra ou permite violência sem propósito. Isso não significa que sempre sabemos o motivo de um mal em particular ocorrer em determinado lugar ou momento. Por não sabermos todas as razões por trás de cada mal em específico, não podemos fazer fáceis conexões entre a culpa e o desastre, entre o pecado de uma pessoa e o mal que recai sobre ela. Textos que incluem o livro de Jó e João 9 nos impedem de declarar universalmente que a dor é uma punição por pecados específicos. Isso significa que quando desastres inexplicáveis ocorrem, devemos dizer com Martinho Lutero: “Que Deus seja Deus”. O clamor de Jó “o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!” (Jó 1.21) não foi uma demonstração superficial de piedade ou negação da dor. Pelo contrário, Jó mordeu seus lábios e cerrou seu estômago enquanto se manteve fiel diante da tragédia e do sofrimento absoluto. Jó sabia quem Deus era, e se recusou a amaldiçoá-lo.
Terceiro, este não é o melhor de todos os mundos possíveis. Este mundo é caído. O sofrimento só está aqui porque o pecado desfigurou uma criação que, do contrário, seria boa. É claro que isso não significa que todo o sofrimento esteja ligado a um pecado específico ou que possamos fazer uma correlação, par a par, entre o nível do pecado de uma pessoa e o grau do seu sofrimento. Contudo, o sofrimento pertence à esfera mais abrangente do pecado que as pessoas encontram aqui nesta terra. Enquanto a criação sofre com a violência da humanidade, ela devolve essa violência. A Bíblia nos diz que a criação se enfurece com seus mestres e exploradores humanos. Em vez de administrar a terra sabiamente e povoá-la, nós a exploramos e a poluímos. Até que Cristo retorne com os novos céus e a nova terra, lidaremos com tempestades, terremotos e enchentes. Até lá, ansiaremos por uma criação renovada.
Por fim, o mal não é definitivo. O cristianismo nunca nega o horror do mal, mas também não o considera como tendo qualquer poder maior ou igual ao de Deus. A palavra final da Escritura sobre o mal é triunfo. A criação geme enquanto aguarda por sua redenção final, mas esse gemido não é em vão. Sobre toda a criação está o Cristo ressurreto —Christus Victor — que triunfou sobre os poderes do mal e fará novas todas as coisas.
Tradução: Alan Cristie

Fonte: http://ministeriofiel.com.br/artigos


O homem a quem Deus usa




Referência: Lucas 3.1-14
INTRODUÇÃO
1. A maior necessidade do mundo é de Deus que sejam usados por Deus. Deus não unge métodos, Deus unge homens. Não precisamos de melhores métodos, mas de melhores homens.
2. Havia 400 anos que a Nação de Israel estava sem ouvir a voz profética. Ele não veio da classe sacerdotal. Não veio no palácio. Mas veio a Palavra do Senhor a João, no deserto. Deus usa gente estranha, em lugares estranhos.
3. João Batista era fruto de profecia, resposta de oração, milagre do céu.
I. É UM HOMEM COM UMA MISSÃO – V. 4
1. Por que Deus usou este homem?
a) Porque ele não era um caniço balançado pelo vento (Mt 11:7-11)
Hoje estamos vendo líderes vendendo seu ministério, negociando valores absolutos, mercadejando o evangelho. João não transigia com a verdade. Ele denunciava o pecado na vida do rei, dos religiosos, dos soldados e do povo.
Ele não era um profeta da conveniência. Seus inimigos diziam: Tem demônio; Jesus dizia: É profeta!
b) Porque era uma lâmpada que ardia e alumiava (Jo 1:6-9)
Ele não era a luz, mas uma lâmpada que ardia e alumiava. Ele apontou para Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus”. Ele não buscou glórias para si mesmo. Disse: “Convém que ele cresça e eu diminua”.
Ele era como uma vela: iluminou com intensidade enquanto viveu.
c) Porque ele não era um eco, mas uma voz (Jo 1:22,23)
João não apenas proferia a verdade, ele era boca de Deus. Ele falava com poder. Hoje, há muitas palavras, mas pouco poder; as pessoas escutam belos discursos, mas não vêm vida. Ele prega o conhece e experimenta. Ele não era da elite sacerdotal. Ele não estava no templo. Mas havia poder em sua vida.
Não basta ser um eco, é preciso ser uma voz. Não basta carregar o bastão profético como Geazi, é preciso ter poder como Eliseu. Não basta falar aos homens, é preciso conhecer a intimidade de Deus.
“Se Deus não falou com você, não fale a nós.”
d) Porque ele era um homem humilde (Mt 3:11)
João Batista disse: “eu não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias”. Disse ainda: “Convém que ele cresça e eu diminua”.
Lata vazia é que faz barulho. Espiga chocha é que fica empinada.
O albatroz voa baixo porque tem o papo muito grande.
e) Porque ele era um homem corajoso (Lc 3:19)
João Batista não aplaudiu Herodes quando ele casou-se com a mulher do seu irmão. Ele denunciou o pecado do rei. Ele preferiu ser preso e ser degolado do que transigir com a verdade. Ele preferiu a morte à infidelidade.
Hoje, há pastores que vendem o ministério e a própria alma por dinheiro. Em vez de denunciar o mal, praticam-no.
f) Porque era um homem cheio do Espírito Santo (Lc 1:15)
João Batista era um homem cheio do Espírito Santo desde o ventre materno.
Aos 5 meses de idade, estremeceu de alegria no ventre da sua mãe. Aos 5 meses já vibrava por Cristo. Há muitos que envelhecem frios e indiferentes ao Salvador.
2. Como Deus usou este homem?
a) Deus usou este homem para aterrar os vales (Lc 3:5)
Vale é uma depressão, um buraco – Há abismos na vida do povo: impureza, desânimo, comodismo, mundanismo.
Vale separa dois montes – Falta de comunhão, mágoa, contendas, maledicência.
b) Deus usou este homem para niver os montes (Lc 3:5)
Montes falam de soberba – O orgulho são montanhas que impedem a passagem do Senhor. Onde há soberba Deus não se manifesta. Nabucodonosor foi comer capim. Herodes foi comido de vermes.
Montes falam de incredulidade – A increduldade nos afasta de Deus e de suas bênçãos.
c) Deus usou este homem para endireitar os caminhos tortos (Lc 3:5)
Caminho torto fala de duplicidade, hipocrisia, e desonestidade – Muitas pessoas são impedimentos para a manifestação de Cristo, porque têm vida dupla. São uma coisa na igreja e outra em casa.
d) Deus usou este homem para aplainar os caminhos escabrosos (Lc 3:5)
Caminho escabroso fala de algo que está fora do lugar – Há algo fora do lugar em sua vida: vida devocional? Namoro? Casamento? Dinheiro? Dízimo?
II. É UM HOMEM COM UMA MENSAGEM – Lc 3:8
1. A Palavra que ele prega é Palavra de Deus e não palavras de homens – Lc 3:2
Depois de 400 anos de silêncio profético, João aparece pregando sobre arrependimento. A nação havia se desviado de Deus. A religião estava corrompida. Os palácios estavam corrompidos. Os que trabalhavam na secretaria da fazenda estavam corrompidos. Os soldados estavam corrompidos.
A mensagem do arrependimento não é popular. Não é palatável. Mas, João não quer agradar a homens, mas a Deus.
Nossa nação está vivendo um tempo de crise sem precedentes. Estamos de luto. Nossas instituições estão doentes. A corrupção está no DNA da Nação.
a) Numa época de crise moral na nação
Os líderes religiosos da nação estavam corrompidos: Anás e Caifás eram sumo sacerdotes, mas não conheciam a Deus.
A polícia extorquia o povo para engordar o salário e fazia denúncias falsas.
Herodes, era um homem devasso e adúltero.
Nosso país atravessa uma aguda crise moral: lares sendo destruídos; o tráfico de drogas crescendo, o nosso parlamento se enchendo da lama da corrupção. A corrupção ganhando o cérebro e o coração da nação.
b) Numa época de crise social na nação
O povo trabalhava, mas Roma ficava com o lucro. Reinava a pobreza, a fome, o desespero. O Brasil é o segundo país do mundo com o pior distribuição de renda.
Vivemos a crise da pobreza, da fome, da violência, da impunidade.
c) Numa época de crise política na nação
A nação estava nas mãos de homens maus. Pôncio Pilatos e Herodes eram um espelho da nação.
Nossa representação política agoniza num dos níveis mais baixos de descrédito, de desmoralização, de aviltamento da honra.
d) Numa época de crise espiritual na nação
O povo era religioso, mas não convertido. Eles não produziam frutos dignos de arrependimento.
O povo estava descansando numa falsa segurança (v. 8).
O povo estava indo para o juízo, sem se preparar (v. 7,9).
Hoje, a igreja evangélica cresce, mas a nação não muda. As pessoas estão entrando para um outro evangelho, o evangelho da conveniência.
2. O cenário em que ele prega e quem ele é demonstram que Deus pode trazer restauração para a nação a partir do próprio caos (Mt 3:5)
e) O local parecia impróprio – Era no deserto – João não pregava no templo, nas sinagogas, nas praças floridas de Jerusalém, mas no deserto árido da Judéia.
f) A apresentação pessoal parecia imprópria – Vestia-se não de terno, mas de peles de camelo. Não comia nos restaurantes requintados de Jerusalém, mas alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Não aperou um só milagre. Não se assentou aos pés dos grandes mestres. Não se apresentava como Exmo. Sr. Dr. Professor João. Mas ele abalou uma nação! Fez tremer o palácio de Herodes.
g) Mas a multidão é atraída – Vinha a ele Jerusalém, toda a Judéia e toda a circunvizinhança do Jordão. Oh! Que Deus levanta homens nessa Nação com a fibra de João. Que as multidões possam ser confrontadas!
3. As pessoas que ele chama ao arrependimento revelam sua ousadia espiritual
a) Os fariseus e saduceus (Mt 3:7-9) – Ele denunciou os conservadores fariseus e os liberais saduceus. A religião judaica estava tomada por um bando de homens não convertidos.
b) A multidão (Lc 3:10) – “Que havemos de fazer?” Quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem. Quem tiver comida, faça o mesmo.
c) Os Publicanos (Lc 3:12) – “Não cobreis mais do que o estipulado”. Honestidade nas transações. Deixem de lado as superfaturações.
d) Os soldados (Lc 3:14) – “A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa, contentai-vos com o vosso soldo”.
e) Herodes (Lc 3:19) – João denunciou o pecado do rei. Chamou-o de adúltero.
f) O arrependimento é grande manchete de Deus – a) Na preparação – João Batista diz: Arrependei-vos; b) Na Inauguração – Jesus vem e conclama: Arrependei-vos; c) No Pentecostes – Pedro prega: Arrependei-vos.
g) O arrependimento envolve: 1) Generosidade no dar (v. 10,11); 2) Honestidade nos negócios (v. 12,13); 3) Justiça nos relacionamentos (v. 14); 4) Integridade na palavra; 5) Ausência de ganância
III. É UM HOMEM COM UMA CONVICÇÃO – Lc 3:9: “Mas já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo”.
1. A mensagem de Deus é arrepender e viver ou não arrepender e morrer
A mensagem do evangelho traz salvação e condenação.
O ímpio não permanecerá na congregação dos justos.
Quem não estiver trajado de vestes nupciais será lançado fora.
A figueira sem fruto secou desde à raiz.
A figueira estéril será cortada.
2. A mensagem de Deus é um apelo urgente a todos
O apelo de Deus alcança os religiosos, a multidão, os soldados, os publicanos. Deus desnuda a todos. As máscaras caem. Deus diz o machado já está posto na raiz. Não dá mais para esperar. O tempo é agora. O reino já chegou.
Deus espera agora frutos dignos de arrependimento!
Você tem produzido frutos dignos de arrependimento?
3. A mensagem Deus mostra o juízo inevitável para quem deixa de arrepender-se – v. 7-8
O tempo de João era de profunda crise espiritual. Os próprios líderes eram homens não regenerados. A multidão estava perdida. Havia crise nos políticos, nos comerciantes, na polícia. João diz que a ira vindoura chegará.
Os que escapam dos tribunais da terra, jamais escaparão da ira de Deus!
CONCLUSÃO
1. O arrependimento prepara o caminho para uma grande bênção
a) Uma bênção sem limites – “toda a carne vera a salvação de Deus”
Quando a igreja se arrepende, o mundo vê a salvação de Deus.
Quando a igreja se volta para Deus, o mundo experimenta a salvação de Deus.
b) Uma bênção inequívoca – “toda a carne VERÁ”
Quando a igreja se arrepende, a salvação de Deus irromperá além das quatro paredes. Multidões virão a Cristo.
O avivamento que alcança o mundo com a salvação, começa com a igreja através do arrependimento.
c) Uma bênção indizível – “toda a carne verá a salvação de Deus”
Quando a igreja acerta sua vida com Deus, algo tremendo e extraordinário pode acontecer no mundo.
Se queremos ver nossa cidade impactada, precisamos acertar nossa vida com Deus. Precisamos aplicar os princípios de Deus em nossa própria vida.
Exemplo: Jonathan Gofford na China, pedindo avivamento.